Ela tinha sonhos. Sonhos empilhados em meio a muitos papéis, livros, cadernos antigos, bilhetes perdidos. Tinha quatro gatos com nomes em homenagem ao quarteto de Liverpool. Ela tinha bem mais que isso guardado num lugar nada visível em meio aquilo tudo:lembranças, decepções, esperanças...
Quando era menina sonhava com uma vida perfeita: uma profissão, um namoro lindo, um noivado com viagens e um casamento perfeito seguido de filhos nos quais ela ficaria procurando seus traços e trejeitos. Mas a vida até então só tinha brindado sua existência com muito estudo e trabalhos mal recompensados. Ela já perdera a esperança. Passa o dia no emprego no qual não é vista, vai para casa onde é ignorada por seus gatos (nesse momento ela sempre pensa que deveria ter comprado um cão), toma um banho morno, põe a primeira roupa limpa que vê e vai para o bar.
Todos a conhecem naquele bar. O mesmo bar de todas as noites desde que se mudou para o apartamento em que vive. Alguns dias vai com alguma colega do trabalho, as vezes se encontra com colegas da faculdade que fazia. Mas naquele dia era só ela. Ela e seu copo de whisky com duas pedras de gelo. Tudo se passava na cabeça dela quando ia ao bar sozinha. As pessoas que conhecera durante a vida, os amores que passaram, as decepções com que aprendeu que nenhuma decepção ensina o suficiente pra que não se decepcione novamente. Lembrava das amigas da adolescência, do quanto queria crescer e do quanto sentia falta da oportunidade de sonhar que tinha quando jovem.
Olhou pro lado e seus olhos perdidos cruzaram com os olhos de um homem, seus olhos agora tinham se encontrado. Ele se aproximou, puxou uma cadeira e sentou em frente a ela. Durante um tempo que lhe pareceu uma eternidade não disseram nada apenas sentiam seus corações batendo forte e alinhados, como se isso fosse a única coisa que conseguissem ouvir. Ela acordou como quem levara um choque e se viu sentada numa mesa de bar em frente a ele: o único caso de amor que nunca tinha tido um final. Aquele que acaba de repente, sem nenhuma explicação como se o destino simplesmente estivesse afim de retardar ou de não permitir a existência dessa história.
Ele tinha o mesmo olhar e o mesmo rosto lindo que ela lembrava, podia jurar que a jaqueta de couro era a mesma também. Ela sorriu e ele pensou que ela ainda tinha o mesmo sorriso que o desarmava antigamente. Ele sorriu. Ela se lembrou de como se desmanchava ao ver aquelas covinhas que se formavam para contornar o sorriso. Ele percebeu que ela ainda tinha o brilho nos olhos de quando o admirava durante suas longas conversas. Eram eles mesmos. Os dois corações batendo forte como antes só que agora no lugar certo e na hora certa. Ele voltou a acreditar que podia ser realmente feliz, a pequena garota do sorriso estava na sua frente. Ela voltou a acreditar que tudo na vida tem uma razão e que aquela história passada que a deixava fria e desacretidada não era a única exceção. Ela voltou a sorrir e ele voltou a saber o que é se sentir vivo só por ver alguém sorrir.
Um comentário:
Eu não podia deixar de comentar. Mostrar que eu te li nessas linhas. Que eu te entendo. Entendo uma mínima parte de ti. (Não sei se tu sabe que essa é uma mínima parte de ti.)
Mas fiquei sem palavras. Sem comentários.
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